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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Desassociação e Dissociação

Desassociação e Dissociação

DISCIPLINA NA CONGREGAÇÃO CRISTÃ: 

LEGITIMIDADE DA DESASSOCIAÇÃO, DISSOCIAÇÃO E SUAS
IMPLICAÇÕES.





“Nenhuma disciplina parece no momento ser motivo de alegria, mas sim de pesar; no entanto, depois dá fruto pacífico, a saber, a justiça, aos que têm sido treinados por ela.” — Hebreus 12:11





A desassociação (também conhecida como excomunhão, expulsão ou desligamento, conforme algumas denominações) é a punição religiosa disciplinadora, utilizada para se excluir ou suspender um crente associado de uma comunidade religiosa que tenha cometido infração e ofensa séria.Em algumas religiões, excomunhão inclui condenação espiritual do membro ou grupo. Inclui também diversas sanções, que 
acarreta em banimento do crente e cerceamento de seus privilégios congregacionais, também deixar de ser considerado membro ou associado de uma comunidade ou organização, e isso somente após a aplicação de disciplina educativa, que é rejeitada pelo errante.  
  
No caso de sociedades religiosas, é um princípio e um direito inerentes a elas, e é equivalente aos poderes de pena capital, de banimento e de exclusão do rol de membros, exercidos por entidades políticas ou municipais. 

Na congregação cristã é exercida, por exemplo, para preservar sua pureza e unidade doutrinal e moral.

A prática é considerada necessária em algumas religiões, incluindo as não-cristãs, com o objetivo de disciplinar e manter coesa sua associação de filiados. As penas impostas variam  de religião para religião, chegando até mesmo a incluir a pena de morte, no caso de apostasia para os muçulmanos sauditas, por exemplo. Torturar e executar desassociados não são atitudes cristãs, mas segundo a Bíblia, eles devem ser removidos da congregação. Aos olhos de alguns leitores e observadores modernos, a prática da desassociação pode parecer uma atitude arbitrária e insensível. No entanto, os primeiros cristãos prezavam muito a obediência aos ensinamentos de Cristo e acreditavam que a fé e os padrões morais eram mais importantes que a tolerância.

A desassociação na primitiva congregação cristã – por que era necessária?

A legitimidade da desassociação encontra base bíblica em várias passagens. Uma delas, em  Mateus 18:17, Jesus disse: "Se não os escutar, fala à congregação. Se não escutar nem mesmo a congregação, seja ele para ti apenas como homem das nações e como cobrador de impostos"
O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios, capítulo 5, instrui os coríntios a expulsarem os membros imorais da sua congregação.

As Escrituras Gregas Cristãs, baseadas nos princípios das Escrituras Hebraicas, por ordem expressa e por precedente, autorizam a expulsão, ou desassociação, da congregação cristã. A congregação, por exercer esta autoridade dada por Deus, mantém-se limpa e em boa situação perante Deus. O apóstolo Paulo, com a autoridade de que fora investido, ordenou a expulsão dum praticante de fornicação, que tomara a esposa de seu pai. (1 Coríntios 5:5, 11, 13) Exerceu também contra Himeneu e Alexandre a autoridade de os desassociar. (1 Timóteo 1:19, 20) Diótrefes, porém, evidentemente tentava usar de modo errado a desassociação. — 3 João 9, 10.

Algumas das transgressões que podem fazer com que alguém seja desassociado da congregação cristã são fornicação, adultério, homossexualismo, ganância, extorsão, furto, mentira, bebedice, injúria, prática de espiritismo, assassinato, idolatria, apostasia e causar divisões na congregação. (1 Coríntios 5:9-13; 6:9, 10; Tito 3:10, 11; Revelação 21:8) 

Aquele que promove uma seita é misericordiosamente advertido uma primeira e uma segunda vez, antes de se tomar a ação de desassociá-lo. Na congregação cristã, aplica-se o princípio estipulado na Lei, a saber, que duas ou três testemunhas têm de confirmar a evidência contra o acusado. (1 Timóteo 5:19) Os condenados de uma prática de pecado são repreendidos biblicamente perante os “espectadores”, por exemplo, aqueles que deram testemunho a respeito da conduta pecaminosa, para que todos estes também tenham temor salutar e não pratiquem tal pecado. — 1 Timóteo 5:20

Entretanto, a respeito daquele que era cristão, mas que mais tarde repudiou a congregação cristã ou foi expulso dela, o apóstolo Paulo ordenou: ‘Cessai de ter convivência com’ tal; e o apóstolo João escreveu: “Nunca o recebais nos vossos lares, nem o cumprimenteis.” — 1 Coríntios 5:11; 2 João 9, 10.

Os expulsos podem ser novamente recebidos na congregação, se manifestarem sincero arrependimento. (2 Coríntios 2:5-8) Isto também é uma proteção para a congregação, impedindo que ela seja sobrepujada por Satanás, passando do extremo de tolerar a transgressão para o outro extremo de se tornar dura e implacável. — 2 Coríntios 2:10, 11.




Uma representação do Papa Gregório IX 
aplicando uma excomunhão.










O precedente para a desassociação

De acordo com a Lei Mosaica, alguém podia ser morto por violações graves ou propositais da lei de Deus. (Levítico 7:27; Números 15:30, 31) Por exemplo,  apostasia,  idolatria, adultério, comer sangue e o assassinato estavam entre os delitos que acarretavam esta penalidade. 
— Deuteronômio 13:12-18; Levítico 20:10; 17:14; Números 35:31.

Mesmo assim, para se executar a pena de morte, era necessário haver evidência apresentada por pelo menos duas testemunhas. (Deuteronômio 19:15) Era exigido que as testemunhas fossem as primeiras a apedrejar o culpado. (Deuteronômio 17:7) Isto era necessário para se demonstrar seu zelo pela lei de Deus e pela pureza da nação de Israel, e também para desencorajar o testemunho falso, descuidado ou precipitado.

Durante o ministério de Jesus, as sinagogas serviam também de tribunais locais para julgar violadores da lei judaica. O Sinédrio era o tribunal de maior instância. Sob o domínio romano, os judeus não tinham o grau de autoridade que haviam usufruído sob o governo teocrático. Mesmo quando o Sinédrio julgava alguém merecedor da morte, nem sempre podia executar a sentença de morte, por causa das restrições impostas pelos romanos. As sinagogas judaicas tinham um sistema de excomunhão, ou de desassociação, de três passos ou três nomes. O primeiro passo era a pena de niddúy, uma disciplina de duração curta, inicialmente de apenas 30 dias. Quem sofria esta pena era proibido de usufruir certos privilégios. Podia ir ao templo, mas ali sofria certas restrições, e todos, fora da sua própria família, tinham ordens de se manter afastados 4 côvados (cerca de  2 metros) dele. O segundo passo era hhérem, que significava algo devotado a Deus ou proscrito. Era um julgamento mais severo, pois o ofensor não podia ensinar, nem ser ensinado, em companhia de outros, nem podia fazer transações comerciais além da compra das necessidades da vida. Entretanto, não era totalmente expulso do judaísmo, e havia a possibilidade dele voltar. Finalmente, havia shammattá’, seu decepamento total da congregação.

Alguém expulso como iníquo era considerado merecedor de morte, embora os judeus talvez não tivessem a autoridade de executá-lo. No entanto, a forma de decepamento que usavam era uma arma muito poderosa na comunidade judaica.  Jesus predisse que seus seguidores seriam expulsos da sinagoga. (João 16:2) O medo de serem expulsos, ou “excomungados”, impediu alguns judeus, até mesmo governantes, de professar sua fé em Jesus. (João 9:22, nota na NM; também 12:42) Ser expulso da sinagoga (em grego άποσυναγωγος , aposunagogos) envolvia a proibição não só de frequentar a sinagoga, mas de toda comunhão com os israelitas. Um exemplo de tal ação por parte da sinagoga foi o caso do cego curado no reservatório de Siloé, que falou em favor de Jesus, que foi “lançado fora”. — João 9:34.

Durante o seu ministério terrestre, Jesus deu instruções sobre o proceder a ser adotado caso 
se cometesse contra alguém um pecado grave, mas o pecado fosse de natureza tal que, se corretamente resolvido, não precisaria envolver a congregação judaica. (Mateus 18:15-17) Incentivou fazer-se um esforço sério para ajudar o transgressor, ao mesmo tempo também resguardando esta congregação de persistentes pecadores. A unica congregação de Deus em existência naquele tempo era a congregação de Israel. ‘Falar à congregação’ não significava que a nação inteira, ou mesmo todos os judeus em determinada comunidade, julgavam o transgressor. Esta responsabilidade cabia a anciãos dos judeus. (Mateus 5:22) O transgressor que se negasse a acatar mesmo esses responsáveis, devia ser considerado “apenas como homem das nações e como cobrador de impostos”, cuja associação, os judeus evitavam. — Veja Atos 10:28.

Entendendo as expressões que inferem ou aludem à desassociação

Nas Escrituras Cristãs, são utilizadas várias expressões que nos mostram que a prática de rejeição era amplamente usada, conforme veremos a partir de agora, e que estudaremos à parte. Por exemplo, “lançar fora”, “entregar a Satanás”, “remover o iníquo” são algumas delas. 
Podemos relacioná-las à prática da desassociação? 

Vejamos:

- “Seja ele... como homem das nações e como cobrador de impostos"Essa expressão nos ensina muito sobre o tipo de tratamento envolvido. Usaremos como referência para compreendermos isso o Dicionário Bíblico Vida Nova, que nos informa sobre como era tratado um homem das nações (gentio), conforme segue: “... Isso levou a uma atitude tão excludente que, na época de Jesus, estigmatizar um irmão judeu como 'gentio' era expressão 
de grande desprezo (Mt 18.17).” Veja também como era encarado um cobrador de impostos (publicano): “Alguém... autorizado para coletar impostos... em favor dos romanos… O sistema dava margem a abusos e parece que, desde o início, os cobradores eram propensos a extorsões e malversação. …Os publicanos eram odiados e desprezados pelos judeus, não só pela extorsão, como também porque o contato com os gentios os tornava cerimonialmente impuros.” (págs. 144, 305, grifos acrescentados).


- Lançar fora: Expressão originária do grego eksebalon (derivado de ekballo), que segundo a Concordância Bíblica Exaustiva de Strong, p. 1358, significa literalmente “expulsar, expelir, mandar sair... expelir uma pessoa de uma sociedade, banir de uma família... rejeitar com desprezo”. Ocorre em textos tais como Lucas 6:22; João 9:34 e 3 João 10.

- Entregar a Satanás: Essa expressão, derivada do grego paredoka (derivado de paradidomi) to satana, ocorre em passagens tais como 1 Coríntios 5:5 e 1 Timóteo 1:20. Sobre o primeiro texto aqui citado, 1 Corintios 5:5, e à sua aplicação, note como um famoso erudito bíblico comenta tal passagem: “O apóstolo nota um abuso flagrante... a falsa noção da liberdade cristã parecem ter salvado o feitor da censura...  as falsas doutrinas tendem a produzir e disseminar tais escândalos. O mal exemplo de um homem influente é muito danoso: espalha-se por todas partes. Os princípios e exemplos corruptos danificam toda a igreja se não são corrigidos. ...Os cristãos devem evitar a familiaridade com os que desprestigiam o nome cristão. Os tais são companhia apta para seus irmãos de pecado, e nessa companhia devem ser deixados, cada 
vez que seja possível fazê- lo. Ai, quão lamentável é que haja tantos chamados cristãos cuja conversação é mais perigosa que a dos pagãos!” (Comentário Matthew Henry, p. 192, grifo acrescentado). Ademais, sobre o texto de 1 Timóteo 1:20, o mesmo autor comenta: “A intenção das censuras mais elevadas da igreja primitiva foi prevenir mais o pecado e reclamar o pecador. Todos os que estejam tentados a eliminar a boa consciência e a abusar do Evangelho, lembrem também que este foi o caminho ao naufrágio da fé.” (p. 253). 

Igualmente, F. Davidson, autor do livro “O Novo Comentário da Bíblia” (a partir daqui abreviado por 'NCB'), também faz uma observação notável sobre o texto supracitado, conforme segue: “Porque alguns têm falhado exatamente nisto, afastando de si, deliberadamente, a boa consciência a que se deviam firmar, é que naufragaram quanto à fé cristã e se tornaram heréticos na doutrina. ...O erro deles é tão blasfemo que para o seu próprio bem tiveram de ser severamente disciplinadosEntreguei a Satanás (20); cfr. Jó 2.6; 1Co 5.5. Parece tratar-se de excomunhão. Colocando se tais pessoas fora da esfera do reino ou proteção de Cristo ficavam elas expostas ao domínio de Satanás...” (pg. 2222, grifo acrescentado).

Com isso, percebemos que tais transgressores eram apropriadamente 'entregues a Satanás', indicando que deixavam de gozar de privilégios espirituais e que estavam agora sujeito às adversidades decorrentes de não mais fazer parte da família cristã e por perderem o favor de Deus e a proteção espiritual, ficando totalmente vulneráveis e expostos a influência satânica.

É o 'Tomar nota' de 2 Tessalonicenses 3:14,15 o mesmo que desassociar?

Não, tomar nota não é desassociar.  Depreendemos isto da simples leitura do versículo, em seu contexto. O livro NCB, pg. 2213, corrobora isso quando nos diz que “Paulo não ordena aqui uma excomunhão formal, mas recomenda uma prática reprovação dos preguiçosos, para que se envergonhem e mudem seus costumes. Tais pessoas não devem ser tratadas como inimigas (vers. 15), nem "como gentios ou publicanos" (Mt 18.17). Ainda são irmãos, membros da comunidade cristã, que deviam aceitar a disciplina fraternal.” (grifo acrescentado).

Tal 'reprovação' e 'disciplina fraternal' consistia meramente numa advertência e também envolvia alguma eventual restrição, podendo até mesmo acarretar em limitação pela amizade por parte de alguns que assim o julgasse necessário (Veja também Romanos 16:17; 2 Tessalonicenses 3:6). A congregação cristã é também admoestada pelas Escrituras a parar de se associar socialmente com aqueles que são desordeiros e que não andam corretamente, mas que não são considerados merecedores duma expulsão total. Paulo escreveu à congregação tessalonicense a respeito de tais: “Parai de associar-vos com ele, para que fique envergonhado. Contudo, não o considereis como inimigo, mas continuai a admoestá-lo como irmão.” — 2 Tessalonicenses 3:6, 11, 13-15.

Quem tem hoje autoridade para desassociar?

Um dos primeiros textos cristãos onde podemos enco ntrar diretrizes claras sobre a desassociação é Mateus 18:17. A bem da consistência, transcrevemos o texto para sua apreciação e compreensão: “Se não os escutar, fala à congregação (gr. ekklesia).   Se não escutar nem mesmo à congregação, seja ele para ti apenas como homem das nações e como cobrador de impostos.” (grifo acrescentado).

A quem se referia o Senhor Jesus quando disse: “Fala à congregação”? Quem seria? Todos os cristãos que ali congregassem? Sabemos que, no primeiro século, anciãos (ou superintendentes) cristãos tomavam a dianteira em todas as congregações cristãs, e eram eles que 'governavam' seus assuntos (Hebreus 13:7,17; Al; veja também nota de rodapé na NM com referências). 

De modo que depreendemos disto que os superintendentes (gr. episkópos; hebr. peqidhím)congregacionais  representavam a inteira congregação cristã, eram os responsáveis por ministrar a disciplina necessária, cuja autoridade havia sido  instituída por nosso Senhor Jesus. 
Sobre isso, escreveu Derek Williams em seu “Dicionário Bíblico Vida Nova” (ed. brasileira), pg. 124, verbete 'Excomunhão': “... a igreja exerce disciplina por intermédio de seus representantes (Mt 18.15 ss)”.  - grifo acrescentado. Portanto, quando Cristo disse que a vítima devia 'falar à congregação', isso significaria falar a seus representantes, os superintendentes (ou anciãos) congregacionais.

Que isso é fato, podemos constatar também que no texto em hebraico do 'Novo Testamento' das 
Sociedades Bíblicas Unidas, revisão de 1991 (J²²), a palavra έκκλησια (ekklesia) ou 'congregação' foi vertida por hlhq (qehillah) em Mateus 18:17, o que ajuda-nos a elucidar essa questão e ver que a palavra 'congregação' é polissêmica e ora possui um sentido mais lato, ora restrito, dependendo da aplicação e do contexto.  Já em Filipenses 1:1, a referida versão curiosamente traduz a expressão 'superintendentes' (que normalmente é vertida em hebraico por peqhidim) por qehillah, fazendo assim a inter-relação entre as palavras que se correspondem. 
Ou seja, tanto no caso de Filipenses como no de Mateus, a palavra qehillah tem um sentido mais 
restrito, referindo-se apenas aos superintendentes cristãos.

Assim, a qehillah poderia, investida de poderes delegados a ela, expulsar o errante impenitente da inteira ekklesiaPoderia “amarrar as coisas na terra” com a aprovação e precedente dados pelo Cristo, o qual confirmou que seriam “as coisas amarradas no céu”, mostrando que o Pai, Jeová, confirmaria tal decisão (Mateus 18:18). S.E. McNair, na obra “A Bíblia Explicada”, nos diz que “Quando a disciplina da igreja é exercida... as decisões da irmandade cristã são aprovadas por Deus e serão 'ligadas no céu'...” (pg. 322)

É desumano o tratamento dado aos desassociados e aos que se dissociaram?

Sem dúvida, é deveras triste saber que foi expulso da congregação, um parente ou amigo que tenha pecado e não se arrependeu, ou mesmo que se dissociou, ou apostatou dela e que agora passa a se tornar opositor, de modo que “não permanece no ensino do Cristo”. No entanto,  a Bíblia dá a clara orientação sobre como tratar a tais pessoas. Ela diz: “Cesseis de ter convivência … nem sequer comendo com tal homem” e também “nunca o recebais nos vossos lares, nem o cumprimenteis. Pois, quem o cumprimenta é partícipe das suas obras iníquas.” (1 Coríntios 5:11; 2 João 9-11)

Diante de tal ordem, é normal surgirem perguntas, tais como: “Até que ponto se deve cessar a convivência, não o receber ou o cumprimentar”? Não nos envolveremos nestas particularidades, pois isso é feito no livro “Mantenha-se no Amor de Deus”, publicado pelas Testemunhas de Jeová em 2008. Também, conforme vimos no início dessa matéria, tais detalhes variam de uma religião para outra. Entretanto, uma análise no texto original nos ajuda a ver até que ponto ía tal tratamento. 

A expressão grega usada pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios,  para “ter convivência com”, é o verbo sunanamígnymi, que significa  “misturar com”. O verbo (mígnmi) é usado em Mateus 27:34, por exemplo, para descrever a mistura de vinho com fel, e em Lucas 13:1, para descrever o que Pilatos fez, misturando sangue com sacrifícios. Explicando o termo 'convivência', o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) diz: “vida em comum; contato diário ou frequente; intimidade, familiaridade; coexistência harmoniosa.” Sendo assim, se faz necessário a pergunta: Seria apropriado para o cristão fiel manter 'contato diário ou frequente', ter 'harmonia, intimidade ou familiaridade' com quem viola deliberadamente princípios bíblicos? Que dizer então com apóstatas? Manter convivência com tais apóstatas seria, por exemplo, o mesmo que alguém pedir para que você tenha amizade com alguém que fala mal de sua família! É razoável isso? Tem cabimento?

Em sua segunda carta, o apóstolo João usou uma palavra derivada de khaíro para 'cumprimentar', que significava 'alegrar-se' e era um cumprimento ou saudação, equivalente a “bom dia”, “oi” ou “olá”. (Veja o mesmo uso da palavra em Atos 15:23; 23:26 e Mateus 28:9).  Era um mero cumprimento, sem maiores formalidades, diferentemente de aspázomai, que era muito mais formal, pois poderia envolver um caloroso abraço, por exemplo. Portanto, não cumprimentar (khaíro) significava nem mesmo dizer um “oi” a um desassociado ou, menos ainda, a um apóstata!

Conforme já vimos, a prática de rejeição era utilizada amplamente entre o povo de Deus pré-cristão e no judaísmo. O escritor A. Edersheim escreveu o seguinte sobre quem era expulso: “Daí em diante ele era como um morto. Não se lhe permitia estudar junto com os outros, nem se devia manter com ele contato [social], nem mesmo se devia mostrar-lhe o caminho. Ele podia, é verdade, comprar as necessidades da vida, mas era proibido comer ou beber com tal.” —Extraído do livro The Life and Times of Jesus the Messiah, Vol. II, p. 184.

Tal precedente foi absorvido pelo cristianismo primitivo, com exceção de um ou outro detalhe. Comentando tal prática, o escritor Adam Clarke declara: “Não tenhais nenhuma comunhão com [o pecador expulso] em coisas sagradas ou civisPodeis transacionar vossos interesses mundanos com alguém que não conhece a Deus e que não professa o cristianismo, não importa qual seja seu caráter moral mas não deveis nem mesmo neste respeito reconhecer um homem que professe o cristianismo, que for escandaloso na sua conduta. Que ele leve este sinal extra de vossa abominação de todo o pecado.”

O mesmo foi confirmado por Joseph Blugham, historiador eclesiástico, que escreveu sobre o que ocorria nos primeiros séculos, no livro The Antiquities of the Christian Church, nas páginas 880 e 891: “A disciplina da igreja consistia no poder de privar homens de todos os benefícios e privilégios do batismo, por expulsá-los da sociedade e da comunhão da igreja, ... e todos se esquivavam deles e os evitavam na conversação comum, em parte para confirmar as censuras e os procedimentos da igreja contra eles, em parte para envergonhá-los e em parte para se prevenirem contra o perigo do contágio. ... ninguém devia receber os excomungados no seu lar, nem comer à mesma mesa com eles; não se devia conversar com eles de modo familiar, enquanto vivessem: nem se deviam realizar exéquias por eles quando mortos, ... Essas orientações baseavam-se no modelo daquelas regras dos apóstolos, que problema aos cristãos dar qualquer contemplação a infratores notórios.”

Tendo em vista tudo o que examinamos, não importa o quanto pessoas não-cristãs encarem essa prática. Não importa aos verdadeiros cristãos se tal prática disciplinadora seja taxada como “arcaica, medieval, desumana”. O que importa é que ela é uma diretriz bíblica, instituída por Deus, que melhor do que ninguém, sabe tudo o que está envolvido. Afinal, Ele “nos ensina a tirar proveito, nos faz pisar no caminho em que devemos andar”, lembrando também que tal diretriz foi recomendada por nosso Senhor Jesus Cristo, o fundador do cristianismo. (Isaías 48:17; veja também Romanos 9:20).

Pode o Estado intervir nesses assuntos?

Em 1988, a revista 'A Sentinela', em seu exemplar de 15 de abril, noticiou a decisão de um Tribunal norte-americano sobre um processo, onde uma mulher, ex-Testemunha, que havia ficado transtornada porque seus anteriores conhecidos não mais conversavam com ela, após ela ter escolhido dissociar-se da congregação. Antes de o processo ir a julgamento, uma corte distrital federal decidiu contra a mulher. Por que? A sentença baseava-se na ideia de que os tribunais não se envolvem em assuntos disciplinares de igrejas. 

Ela apelou disso então. Qual foi a decisão? A decisão unânime da corte federal de apelação baseava-se nos fundamentos mais amplos dos direitos da Primeira Emenda (da Constituição dos Estados Unidos), que reza: “Visto que a prática da rejeição faz parte da crença das Testemunhas de Jeová, julgamos que a provisão do ‘livre exercício’, da Constituição dos Estados Unidos, ... preclui que [ela] prevaleça. Os querelados (a congregação das Testemunhas de Jeová) têm um constitucionalmente protegido privilégio de se empenhar na prática da rejeição. Concordemente, confirmamos a sentença anterior da corte distrital.”  Concluindo, disseram que “a rejeição é praticada pelas Testemunhas de Jeová de acordo com a sua interpretação do texto canônico, e nós não temos a liberdade de reinterpretar esse texto ... Os querelados têm direito ao livre exercício das suas crenças religiosas ... As cortes, em geral, não examinam de perto o relacionamento entre membros (ou ex-membros) duma igreja. Concede-se às igrejas ampla latitude quando elas impõem disciplina a membros ou ex-membros. Concordamos com o conceito do Ministro Jackson [ex-ministro da Suprema Corte dos EUA] no sentido de que ‘atividades religiosas que envolvem apenas membros da crença são e devem ser livres — quase tão absolutamente livres como alguma coisa pode ser’. ... Os membros da Igreja que [ela] decidiu abandonar concluíram que não mais desejam associar-se com ela.    Sustentamos que eles têm a liberdade de fazer tal escolha.”

O tribunal de apelação reconheceu que, mesmo que a mulher se sentisse angustiada porque seus anteriores conhecidos preferiam não conversar com ela, “permitir-lhe ser compensada por prejuízos intangíveis ou emocionais restringiria inconstitucionalmente o livre exercício da religião pelas Testemunhas de Jeová ... A garantia constitucional do livre exercício da religião requer que a sociedade tolere o tipo de danos sofridos por [ela] como preço que bem merece ser pago para proteger o direito da diferença religiosa que todos os cidadãos usufruem”. Decisão “819 F.2d 875 (9th Cir. 1987)”, EUA.

Em certo sentido, esta decisão obteve ainda maior peso desde que foi feita. Como? A mulher requereu mais tarde a corte mais alta do país que julgasse o caso e possivelmente revogasse a decisão contra ela. Mas, em novembro de 1987, a Suprema Corte dos Estados Unidos negou-se a fazer isso.

Portanto, este importante caso estabeleceu um precedente: que alguém desassociado ou dissociado não pode obter num tribunal indenização por danos, pelas Testemunhas de Jeová, por ter sido rejeitado. Visto que a congregação acatou e aplicou as perfeitas diretrizes que todos nós podemos ler na Palavra de Deus, a pessoa sente uma perda causada pelas suas próprias ações. Embora diversas pessoas tenham instaurado processos, nenhum tribunal decidiu contra as Testemunhas de Jeová por causa da prática delas de rejeição, baseada na Bíblia.

No Brasil, já se noticiou que uma ex-Testemunha no estado do Ceará moveu ação alegando 'discriminação religiosa' por parte dos membros de sua anterior congregação e por parte dos anciãos, e que tal ação igualmente foi extinta *.

A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) determinou, em 31/08/2010, o trancamento da ação penal movida contra os anciãos, membros da Congregação das Testemunhas de Jeová, em Fortaleza. Os dois estavam sendo acusados de  "impedir o contato da ex-Testemunha, desassociado da congregação, com os integrantes daquela comunidade".

Conforme denúncia do Ministério Público (MP), a ex-Testemunha saiu da Congregação das Testemunhas de Jeová em dezembro de 2008. Por conta disso, ele teria sido impedido pelos anciãos de manter "convívio social e familiar" com os membros da referida entidade. Essa postura, de acordo com o MP, infringiria o art. 14 da lei nº 7.716/89, que cuida dos casos de discriminação por motivo de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A defesa dos acusados ingressou com pedido de habeas corpus (nº44832-87.2010.8.06.0000/0) no TJCE requerendo a extinção da ação penal instaurada, alegando ausência de justa causa. O processo tramita na 6ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, Ceará.

Ao julgar o caso, a 1ª Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conceder a ordem para trancar a ação. "Não vislumbro, na escusa ao trato cotidiano, qualquer forma de discriminação, impedimento ou obstacularização. Há, sim, uma escolha por adeptos de credo religioso que, errado ou certo, apregoam a indiferença diante daqueles que, antes irmanados, abandonaram a crença, o que lhes parece lógico, pois resultante de interpretação da Bíblia Sagrada", afirmou o relator do processo, Desembargador Francisco Pedrosa Teixeira.

O relator finalizou: "Gostemos ou não, isso faz parte da liberdade de culto, sacramentada constitucionalmente. Levar a conduta ao patamar de ilicitude penal me parece demasiado. Ressalte-se que a vítima, em nenhum momento do inquisitório, acusou os pacientes, preferindo generalizar, afirmando que a discriminação era incentivada pelos dirigentes da aludida religião em todo o país. Se assim é, que seja acionada toda a comunidade eclesial!".

De qualquer forma, essa decisão corrobora o que a Constituição brasileira assegura, ou seja, a “liberdade de consciência e de crença”, em seu artigo 5º, inciso VI, e também “o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Ademais, no artigo 19, inciso I,” é vedado à União... estabelecer cultos religiosos ou igrejas, … embaraçar-lhes o funcionamento...” 

É bom entendermos corretamente em que implica tais direitos, pois ninguém pode cerceá-los ou nos obrigar a fazer aquilo que vai contra nossa consciência. E o que está envolvido também em ter liberdade de consciência? Dicionário Houaiss explica que consciência é, também, o “sistema de valores morais que funciona, mais ou menos integradamente, na aprovação ou desaprovação das condutas, atos e intenções próprias ou de outrem”. 
É assegurado também pela Constituição a proteção às 'liturgias'. Segundo Houaiss, liturgia é “o conjunto dos elementos e práticas do culto religioso (missa, orações, cerimônias, sacramentos, objetos de culto etc.) instituídos por uma Igreja ou seita religiosa;  ramo das ciências eclesiásticas cujo objeto é a história do culto e seu direito canônico”. Direito canônico é o conjunto de preceitos que regem a estrutura de uma igreja, bem como as relações entre seus membros.

E é sabido por todos que a rejeição e a restrição imposta a desassociados e dissociados é e sempre foi prática das Testemunhas de Jeová, que faz parte de sua liturgia, de seu direito canônico. Esse direito canônico (a Bíblia) sempre regeu as relações entre as Testemunhas e seus ex-membros. Isso é seu livre exercício de liberdade de consciênciadireito de externar a sua 'desaprovação da conduta, atos e intenções de outrem', o que foi instituído pela Bíblia e assegurado pela Lei. Obrigar legalmente o contato com tais seria embaraçar-nos o funcionamento, pois primamos pela ordem, pureza e santidade da congregação, que é essencial ao seu 'funcionamento' e à aprovação de Seu Líder, Cristo. (Revelação 2:5)

A conclusão do assunto, tudo tendo sido ouvido, é...

A disciplina nas congregações cristãs, incluindo a desassociação e a dissociação, é um dos principais dispositivos que Deus usa para corrigir e restaurar o errante, quando caem em pecado. É também um modo pelo qual Ele mantém a unidade, pureza, integridade e boa reputação da congregação. É aplicada através de instrução, admoestação, conselho e repreensão, tanto em público como em particular e, em alguns casos, até por meio de exclusão social ou remoção do rol de membros, Deus corrige seus filhos desobedientes ou, então, remove da congregação aqueles que não são realmente seus. 

O próprio Senhor Jesus declarou ser a congregação (representada pelos anciãos) o instrumento que o céu emprega para executar essa difícil, porém necessária, função (Mateus 18:18-20). O escopo deste estudo é definir, em termos gerais, o que pode tornar a disciplina eclesiástica necessária e explicar como a Bíblia nos instrui a lidar quando ocorre essa necessidade. Obviamente, como se trata de vidas espirituais que estão em jogo, a congregação deve ministrar a disciplina com oração, com a aplicação diligente das Escrituras e na dependência do espírito de Deus.

Reconhecemos, entretanto, que existe certa tensão entre os diferentes princípios envolvidos na disciplina eclesiástica. Por um lado, somos recomendados à brandura em Gálatas 6:1 e, por outro, à severidade em Tito 1:13. Embora nunca sejamos autorizados a ter um espírito crítico e condenador (Mateus 7:1), somos, de qualquer forma, obrigados a julgar “os de dentro” (1 Coríntios 5:12). Assim como somos exortados a amar de modo que estejamos dispostos a “cobrir” determinados pecados (1 Pedro 4:8), também devemos nos exortar “uns aos outros cada dia“, a fim de que nenhum de nós fique “endurecido pelo poder enganoso do pecado” (Hebreus 3:13). Essa tensão é mais evidente no fato de que devemos amar o nosso irmão assim como Cristo nos amou (João 13:34,35) e, ao mesmo tempo, devemos estar dispostos a considerá-lo um incrédulo e lançá-lo fora de nosso meio, se ele continuar em pecado.  (Mateus 18:17; 1 Coríntios 5:11).

Pode ser tentador usar a palavra “equilíbrio” para descrever nosso desejo de lidar com essa tensão, mas, conforme é tipicamente compreendida, a palavra “equilíbrio” denota um escape das obrigações e convicções, na tentativa de não parecermos “desequilibrados” ou excessivamente zelosos. O problema com esse entendimento é que as Escrituras nunca orientam os cristãos a serem pessoas “equilibradas” conforme entendido neste sentido deturpado. Pelo contrário, somos ordenados a sermos zelosos e fervorosos, tanto no amor pelo próximo (Colossenses 3:14; 1 Pedro 4:8) como em nossa busca pela santidade e a pureza da congregação 
(Tito 2:14; Hebreus 12:14-17).

O que isso significa para a congregação nas questões referentes à disciplina é que nunca devemos confiar em nosso próprio entendimento e critério humano, o qual é propenso a levantar-se contra a Palavra de Deus. Isso torna-se mais desafiador quando ela, a Bíblia, se confronta diretamente com nossos desejos, interesses pessoais ou os de pessoas vinculadas à nós. No entanto, sabemos também que fazer isso é perigoso, pois concorda com as palavras do Diabo, que disse: “Tudo o que o homem tem dará pela sua alma”, o que implicaria em obediência interesseira, que poderia ser facilmente quebrantada quando houvesse conveniências pessoais envolvidas. O cristão verdadeiro, que é leal, não age assim!

Se esse pensamento errôneo nos acometer, isso significa que devemos estudar as Escrituras, confiar nelas e obedecê-las, mesmo quando a tensão que percebemos entre nossas obrigações bíblicas possam parecer insuportáveis. Precisamos ter em mais alta estima ambas as metas da disciplina na congregação (restaurar o indivíduo e manter a pureza da congregação), sempre permitindo que a Palavra de Deus determine nosso procedimento.

Concluindo, nosso desejo sincero ao ver aplicada a disciplina é que o errante repense sua situação e que se arrependa, voltando humildemente ao convívio de seus irmãos cristãos e ao favor divino! Afinal, “que filho há a quem o pai não disciplina?” Agora, se o errante prefere se opor amargamente à disciplina e a seus ministrantes, na realidade, que espírito esta pessoa está demonstrando? 

Se estais sem a disciplina de que todos se tornaram participantes, sois realmente filhos ilegítimos, e não filhos” (Hebreus 12:7,8). Pense nisso! Ainda há tempo para mostrar arrependimento, humildade para poder voltar! Aproveite esse tempo! Nosso Pai Celestial, Jeová, estará de braços abertos esperando você voltar!









"Enquanto ainda estava longe, seu pai o avistou e teve pena, e correu e lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou ternamente" 
- Lucas 15:20



Referências

- “Estudo Perspicaz das Escrituras”, publicado pelas Testemunhas de Jeová, 1990;
- “Disciplina na Igreja”, Jim Elliff e Daryl Wingerd, publicado pela Editora Fiel, 2006;
- “O Novo Comentário da Bíblia”, F. Davidson, publicado pela Editora Vida Nova, 1997;
- “Escrituras Gregas Cristãs (Novo Testamento)”, em hebraico, publicado pelas Sociedades Bíblicas Unidas, Jerusalém, 1991;
- “A Bíblia Explicada”, S.E. McNair, publicada pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), ed. 1997;
- “Comentário Bíblico de Matthew Henry”, versão e-book, 2008, disponibilizado pelo site semeadoresdapalavra.net ;
- “Concordância Bíblica Exaustiva de Strong”, publicado pela Sociedade Bíblica do Brasil, 2002;
- “Dicionário Houaiss Eletrônico da Língua Portuguesa”, Instituto Antonio Houaiss, publicado pela Editora Objetiva, 2009;
- “Dicionário Bíblico Vida Nova” (versão brasileira), Derek Williams, publicado pela Editora Vida Nova, ed. 2005;
- "Enciclopédia Virtual "Wikipedia", disponibilizado em http://pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal ;
- "Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas" (NM), com Referências, ed. 1996 (a menos que haja outra indicação, os textos citados neste artigo são desta versão bíblica).

* Sobre o processo e a extinção da ação penal no Ceará, veja-se os links:




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